Arquivo mensal: fevereiro 2015
Jean Ziegler
“Precisamos acabar com o neoliberalismo para alimentar a humanidade, em primeiro lugar. Em segundo lugar, sou totalmente contra os transgênicos não por uma questão de dogma de esquerda, mas porque, na minha universidade, os biólogos dizem: ‘É uma loucura, ninguém sabe os efeitos para o organismo de uma criança alimentada com transgênicos. Podem acontecer coisas horríveis’. E em terceiro lugar, penso na teoria de José Bové e da federação que reúne os pequenos agricultores franceses, que diz os transgênicos acabam com a agricultura familiar porque dão o controle definitivo a algumas multinacionais sobre a agricultura do mundo, o que é uma coisa totalmente negativa. Tenho esses três argumentos contra os transgênicos.”
Jean Ziegler. “O direito de comer” in Caros Amigos VI (62): 34, maio 2002
Michel Foucault
Vê-se assim inscrever-se nas instituições da monarquia absoluta – naquelas mesmas que durante longo tempo permaneceram como símbolo de arbitrariedade – a grande idéia burguesa, e logo republicana, segundo a qual também a virtude é um assunto de Estado, que é possível fazê-la imperar através de decretos e estabelecer uma autoridade a fim de ter-se a certeza de que será respeitada. Os muros da internação encerram de certo modo o lado negativo desta cidade moral, com a qual a consciência burguesa começa a sonhar no século XVII: cidade moral destinada aos que gostariam, de saída, de esquivar-se dela, cidade onde o direito impera apenas através de uma força contra a qual não cabe recurso – uma espécie de soberania do bem em que triunfa apenas a ameaça, e onde a virtude (tanto ela tem seu prêmio em si mesma) só tem por recompensa o farto de escapar ao castigo. À sombra da cidade burguesa nasce essa estranha república do bem imposta pela força a todos os suspeitos de pertencer ao mal. É o avesso do grande sonho e da grande preocupação da burguesia na época clássica: as leis do Estado e as leis do coração finalmente identificadas umas com as outras.”
Michel Foucault. “História da Loucura”. Perspectiva, pg. 75 e 76.
Necrológio dos Desiludidos do Amor
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia…
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).
Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
Carlos Drummond de Andrade, ‘